Em apenas dois dias, a Argentina mostrou ao mundo que lá a Justiça realmente funciona. Ontem e anteontem foram condenadas 20 pessoas acusadas de crimes contra a humanidade durante o regime militar.
Dos condenados, 16 receberam pena de prisão perpétua, e quatro cumprirão 25 anos de cadeia. Um dos militares que passarão o resto da vida preso é o ex-ditador Jorge Videla, de 85 anos, considerado culpado pelo homicídio de opositores e outros crimes contra a humanidade.
O Tribunal Oral Federal Nº 2 de Buenos Aires julgou os réus (militares e policiais) por 181 crimes cometidos em três prisões clandestinas durante o regime — entre os quais mais de cem sequestros, o desaparecimento de 30 mil pessoas, e centenas de assassinatos.
A exemplo de outros países da América Latina que já puniram os militares golpistas, que tomaram o poder à força, praticaram prisões, torturas e homicídios, a Argentina ensina como punir os bandidos travestidos de membros das Forças Armadas e policiais responsáveis pela repressão mais violenta no continente.
O Brasil deveria aprender com as nações vizinhas, mas por aqui se preferiu colocar panos quentes, abafar, ignorar, fazer de conta que nada aconteceu. A Lei da Anistia perdoou os torturadores, assassinos, estupradores, sequestradores, enfim, toda a corja golpista opressora que se instalou no poder em 1964.
Essa omissão é vergonhosa e justifica a crença popular de que a Justiça não funciona no país, exceto contra os pobres — e os (maus) exemplos realmente são tantos, não tendo como contestar a “voz do povo”.
A negligência em relação aos crimes praticados nos “anos de chumbo” rendeu ao Brasil uma recente reprovação na Corte Internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA), reunida na Costa Rica. A Corte condenou o país por “passar a mão na cabeça” dos responsáveis pelas 62 mortes ocorridas no Araguaia, durante o regime militar.
Também considerou que a Lei da Anistia brasileira é um obstáculo à apuração dos crimes de tortura, imprescritíveis segundo tratados internacionais que o próprio país assinou.