quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O preço da impunidade

Brasil pode ser punido por não responsabilizar os criminosos do regime militar 

A edição desta semana da revista CartaCapital — uma das poucas publicações de credibilidade do país, isenta e ética, como deve ser o bom jornalismo — traz uma reportagem do jornalista Gilberto Nascimento alertando sobre a possibilidade de o Brasil ser punido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), por não ter responsabilizado, julgado e punido os militares que cometeram crimes durante o regime de exceção.

A reportagem informa que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA divulgou um relatório no qual aponta que “o Estado brasileiro ‘deteve arbitrariamente, torturou e desapareceu’ com os corpos de 71 militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e de camponeses que participaram da Guerrilha do Araguaia, no sul do estado do Pará, entre 1972 e 1975”.

A comissão considera que isso “foi uma política de extermínio de dissidentes políticos”. A OEA pede uma investigação dos fatos cometidos na região do Araguaia, a abertura dos documentos militares sobre o caso e a responsabilização penal dos acusados pelas torturas, mortes e desaparecimentos. E mais, dá um prazo de 120 dias para o Estado manifestar-se, já que até hoje o país não tomou nenhuma medida punitiva aos militares e policiais que torturaram e mataram durante a ditadura.

Caso permaneça em silêncio, como o faz desde a redemocratização, em 1985, o Brasil pode sofrer sanções da Corte Interamericana, perdendo também o prestígio que o faz pleitear um assento na Comissão de Segurança da ONU, por não atuar como deveria em relação aos direitos humanos.

A matéria informa que, “segundo a ONG Justiça Global, 160 casos de violação no Brasil eram analisados, até setembro, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.

Polêmica

Em agosto, o ministro da Justiça, Tarso Genro, manifestou uma opinião pessoal — ou seja, desvinculada do cargo que ocupa — sobre a necessidade de se punir os torturadores que agiram durante a ditadura, já que teriam cometido um crime comum, assim como estupros e demais violências físicas e psicológicas. "É uma análise que deve ser baseada em uma visão universal: que é do extravasamento do mandato dado pelo Estado e a responsabilização do agente que extravasa esse mandato e comete tortura", disse.

A opinião do ministro, divulgada pela imprensa, repercutiu principalmente entre os militares e foi rebatida também pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Claramente a favor do esquecimento dessa questão, Jobim afirmou à Agência Folha: "Não haverá mudança na Lei da Anistia. A Lei da Anistia já esgotou os seus efeitos. Já foram anistiados, não existe hipótese de você rever uma situação passada”.

Como forma de amenizar a polêmica, a Comissão de Anistia do governo federal defendeu a realização de audiências públicas com especialistas para debater o assunto. Agora, com a divulgação do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, seria o momento oportuno para tratar desse tema, diante da possibilidade de o país vir a ser punido por não ter tomado atitude exemplar contra os agentes que extrapolaram seu poder durante a ditadura militar. 
(Texto publicado no site Megafone em 15 de dezembro de 2008)

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